Guerra

Conquistas, vitórias, sorrisos,
Histórias, e desejos perdidos.
Estatística mística-pacífica-cruel,
É culpado todo aquele que é réu...
Devaneios ideais, ninguém erra.
E sem erros nasce a guerra.
Amores, cores e flores atingidas.
De olhares, pássaros e terras vão-se as vidas...
Pra quem, fizeram um discurso?
Nada será como antes, nada tem curso.
Chora um pai, uma mãe, uma irmã, um irmão...
Casas, prédios, árvores e corpos no chão...
Quem não atira, vence...
Quem atira, ganha...
Quem mata, sua morte, consente...
Pra quem chorar?
É só mais uma guerra...

A Destruição de uma Nação


A ex-República Socialista Federativa da Iugoslávia desintegrou-se pela guerra civil étnica desencadeada nos princípios da década de 1990. As várias etnias que a compõem (sérvios, croatas, eslovênios, montenegrinos, albaneses e macedônicos), a partir do colapso do socialismo, retomaram as antigas guerras tribais que tanto infelicitaram a região, aquela esquina do mundo, onde, no passado, interesses conflitantes das grandes potência imperais (da Áustria, da Rússia, da Turquia otomana) se encontravam, acirrando o ódio das populações locais, umas contra as outras. Quando todos analistas pensavam que as velhas rivalidades e antigos ódios estivessem sepultados por mais de quarenta anos de convívio de paz sob um regime comum (o comunismo não-stalinista de Tito), eis que os fantasmas vingativos, vindo de tempos remotos, resolveram reaparecer para uma mortífero acerto de contas entre as diversas tribos balcânicas, banhando as montanhas, os vales e as cidades da Iugoslávia com o sangue dos inocentes. Como uma mancha, o desacerto intra-étnico começou em 1990 com a "guerra dos dez dias" da Eslovênia contra o exército iugoslavo, estendendo-se depois para o centro e finalmente chegando, dez anos depois, à Macedônia, a mais meridional das repúblicas balcânicas. Churchill disse certa vez que os Bálcãs produziam mais história do que podiam consumir, enquanto Otto von Bismarck, o chanceler alemão, desprezava aquela região pobre, assegurando que "os Bálcãs não valem os ossos de um granadeiro alemão."

Uma Esquina do Mundo

Nos tempos antigos, a partir do século IV, a região balcânica, genericamente chamada de Dácia pelos romanos, serviu como zona limítrofe entre o Império Romano Ocidental, com capital em Roma, e o Império Bizantino, com capital em Constantinopla. Quando, mais tarde, a Igreja cristã dividiu-se em duas, uma parte católica obedecendo ao papa de Roma, outra greco-ortodoxa, fiel ao patriarca de Bizâncio, durante o chamado Cisma do Oriente, no séc. XI, os habitantes da região também foram obrigados a optar, por uma ou por outra das religiões. Para piorar ainda mais os problemas geográficos e religiosos, no século XV a região foi invadida pelos turcos otomanos, vindo do Sul, depois de terem ocupado Constantinopla em 1453, que terminaram por introduzir mais um elemento complicador nos Bálcãs (Balcãs, em turco, significa montanhas ou zona montanhosa). Para assegurar-se da fidelidade das suas áreas ocupadas, eles obrigaram a população local, especialmente os moradores da Albânia e da Bósnia, à conversão ao islamismo. Faziam isto para as usar como barreiras hostis ao cristianismo. Enquanto a parte norte da atual Iugoslávia, as regiões da Eslovênia e da Croácia, ficaram sob a tutela dos imperadores austríacos, de cultura alemã e religião católica, o centro-sul ficou sob controle dos turcos muçulmanos até o início do século XX. Portanto, há cinco séculos, os Bálcãs ficaram divididos em três religiões rivais: o catolicismo (predominante na Eslovênia e Croácia), a greco-ortodoxa (predominante entre os sérvios, montenegrinos e os macedônicos), e o islamismo (majoritário entre os albaneses e os bósnios).

A Guerra Balcânica e a Grande Sérvia

Em 1908, um grupo de jovens oficiais turcos deu início a uma revolução reformista que pretendia modernizar o Império Turco Otomano, mergulhando numa longa estagnação. Ao deporem o sultão, porém, terminaram por incitar uma onda de descontentamento geral contra o domínio turco. Aproveitando-se da confusão provocada pelas reformas, o Reino da Sérvia de Pedro I, da dinastia dos Karagerogevitch, aliou-se aos búlgaros e romenos para dar início a uma guerra que tinha por objetivo afastar os turcos dos Bálcãs. Travou-se então, de 1911 a 1913, a primeira guerra balcânica, que assegurou a independência das nações daquela região. Logo em seguida, as ambições da Sérvia voltaram-se para o Oeste, em vistas da formação da Grande Sérvia, que, por ser um reino geograficamente fechado, desejava anexar a Bósnia, para desta forma por um pé no Mar Adriático. Ocorre que a Bósnia era província do Império Habsburgo desde 1908 e os austríacos viram, por detrás das manobras expansionistas da Sérvia, os interesses de Moscou. Como os czares da Rússia não tinham, nos últimos séculos, conseguido abrir caminho para o Mediterrâneo, devido ao controle que os turcos exerciam sob as duas margens do Bósforo, o governo russo estava insuflando a Sérvia para obter tal fim. No complicado tabuleiro de xadrez balcânico, os povos locais sempre foram vistos como peões sem vontade própria, a não ser a de vingarem-se uns dos outros, movidos pelos que jogavam pesado, isto é, as grandes potências. Como atualmente muitos analistas acreditaram que o bombardeio da Sérvia, executado pela Otan em 1999 durante 72 dias, era uma maneira de atingir e humilhar a Rússia pós-glasnost, uma ex-potência empobrecida e desmoralizada.

O Reino da Iugoslávia (1918-1941)

Com a derrota dos três grandes impérios (austro-húngaro, o russo e o turco otomano), os Bálcãs finalmente livraram-se da tutela estrangeira. Pelos Tratados de Paris, em 1919, garantiu-se a autonomia do Reino da Sérvia, da Croácia e da Eslovênia (formada pela Sérvia, Croácia, Eslovênia, Bósnia-Herzegovina, Montenegro e Macedônia), depois entendido como Reino da Iugoslávia, com capital em Belgrado, sendo a coroa pertencente a Pedro I. Mas não durou muito a tranqüilidade daquele reino. Em março de 1941, Pavel, o príncipe regente da Iugoslávia, cedendo à pressão dos nazistas e dos fascistas italianos, foi constrangido a assinar um tratado com o Eixo, o que colocava os Bálcãs subordinados às potências fascistas. Foi o que bastou para que uma rebelião popular antimonárquica e antifascista tomasse conta das ruas de Belgrado. Adolf Hitler aproveitou-se da situação confusa em que o reino caiu e ordenou, em abril de 1941, que suas divisões, juntamente com tropas húngaras, italianas e búlgaras o ocupassem. Para os estrategistas militares, a necessidade de manter os Bálcãs militarmente ocupados fez com que Hitler fosse obrigado a atrasar em dois meses a invasão da URSS, contribuindo assim os iugoslavos, indiretamente, para o retardo do início da guerra contra os soviéticos.

O Acirramento do Ódio

Aproveitando-se da presença das tropas nazistas, os croatas, que se diziam oprimidos no Reino da Iugoslávia, proclamaram sua independência. Logo restauraram a monarquia com o rei Tomislau II, que entregou o poder aos nacionalistas croatas pró-nazistas do partido Ustacha, liderado por Ante Pavlevic. O Estado da Croácia, alargado enormemente com a anexação da Bósnia-Herzegovina e da Dalmácia, com o consentimento de Hitler, deu então caça aos seus inimigos: os sérvios, os judeus, os ciganos, e todos antifascistas que se lhe opunham. Conduzidos ao campo de concentração de Jasenovac, estima-se que os fascistas croatas assassinaram entre 350 a 450 mil pessoas! O nome dos ustachi, a milícia croata, causou o mesmo horror à população balcânica que as tropas de ocupação da SS. Como não podia deixar de ser, como tantos outros invasores dos Bálcãs no passado, os nazistas também exploraram a seu favor os eternos ódios locais. Em geral, verificou-se que os católicos eslovenos e croatas, e os albaneses muçulmanos alinharam-se com os nazi-fascistas (inclusive formando regimentos SS para combater ao lado deles), enquanto as outras etnias perseguidas foram para as montanhas juntar-se à resistência organizada pelos monarquistas sérvios, os chétniks do general Draza Mihailovic, o ex-ministro da Defesa do governo iugoslavo, agora no exílio, e pelos partisans, os guerrilheiros comunistas de Tito. Quando a guerra terminou, com a derrota dos nazi-croatas, os sérvios foram orientados por Tito a não praticar retaliações contra os civis, justiçando apenas os ustachi.

Tito e a Resistência Iugoslava

Quem promoveu uma oposição militar mais conseqüente à ocupação nazista foi a Liga Comunista da Iugoslávia, comandada pelo guerrilheiro Josef Broz, conhecido pelo codinome de Tito, que assumiu o controle das montanhas, tornando a vida dos ocupantes alemães um inferno. Quando a guerra estava para se encerrar, nos começos de 1945, os guerrilheiros de Tito haviam derrotado a maioria das 37 divisões que os nazistas enviaram para lá, o mesmo ocorrendo na vizinha Albânia, com os partisans comandados por Enver Hoxa, também um líder comunista. As matanças ocorridas devido à presença das tropas estrangeiras e aquelas outras que seguiram, praticadas contra os colaboracionistas pró-nazistas, deixaram marcas profundas entre a população local no período do pós-guerra.

A Morte de Tito e a Dissolução da Iugoslávia

Quando Tito veio a falecer, em 4 de maio de 1980, entrou em efetiva prática uma constituição, adrede preparada, que tinha por objetivo alcançar a rotatividade do poder executivo para que daquele modo nenhuma das etnias se sentisse excluída do poder central. A cada período legislativo, seria um representante de uma das seis etnias maiores quem assumiria a chefia do governo. Durante dois anos, o mandato presidencial seria de um croata, depois de um sérvio, em seguida de um esloveno, e assim por diante. Não era possível adotar o sistema da eleição direta para a chefia do executivo porque, se assim fosse feito, sempre seria sufragado um sérvio, pois eles eram a maioria entre as etnias que compunham a Iugoslávia. O calcanhar de Aquiles do sistema rotativo era de que justamente aquele que deveria representar a unidade de todos os iugoslavos, o seu presidente da república, era constitucionalmente um figura frágil. Nenhum dos presidentes escolhidos pelo parlamento da federação tinha a estatura de Tito, nem estava respaldado pelo voto majoritário da população. Não demorou muito para que tudo começasse a desandar.

As Novas Repúblicas e a Guerra Civil

Primeiro foi a Eslovênia a declarar-se separada em 1990, em seguida foi a vez da Croácia e, logo depois, pelos muçulmanos, da Bósnia-Herzegovina. Desgostosos com a perda da cidadania iugoslava, os sérvios, liderados pelo presidente Milosevic, entraram em guerra com seus vizinhos, temendo serem desalojados por eles das regiões que ocupavam, algumas delas desde o século XVII, arrastando toda a região para um guerra intermitente. Na Croácia, deu-se o grande êxodo dos sérvios da Krajina e da Eslavônia oriental quando uns 600 mil deles foram expulsos de volta para a República da Sérvia . Mas, na Bósnia, eles conseguiram manter-se no terço restante do território, formando mais tarde a República Sérvio-Bósnio da Srpska. A Europa, horrorizada, viu-se às voltas com as imagens de campos de concentração, de sítios às cidades, de bombardeios de artilharia, de tiros precisos dos franco atiradores, da morte a sangue frio da população civil. Tudo isso a lembrou da Segunda Guerra Mundial. Cresceu então entre os governos que compunham a Otan o desejo de praticar algum tipo de intervenção armada, já que o boicote de venda de armas determinado pela Onu parecia não ter surtido nenhum efeito em diminuir a violência nos Bálcãs. Foi na Bósnia, em 1995, que se deram os primeiros bombardeios da Otan (em geral aviões norte-americanos) contra os sérvios-bósnios para evitar que eles vencessem a coligação de croatas e muçulmanos apoiados pela Europa Ocidental.

A crise marcha para mais ao sul

Aproveitando-se do apoio da Otan e da solidariedade da mídia ocidental, que fez com que os albaneses praticamente se tornassem os donos exclusivos de Kosovo (que nunca pertenceu ao albaneses ou à Albânia), no princípio do ano de 2001 o movimento guerrilheiros albaneses espalhou-se para o Sul. O alvo deles agora não é mais Kosovo, ocupado por tropas da Otan, que tentaram inutilmente defender a minoria sérvia que lá morava, das agressões da maioria albanesa, mas sim a vizinha Macedônia. A intenção dos separatistas albaneses do Ushtria Clirimtare Kombetar [UCK-Exército de libertação nacional], cujo líder é Ali Ahmeti, é arrancar um terço daquele país para integrá-lo a Kosovo e, depois disso, formarem a Grande Albânia, composta pela Albânia propriamente dita, por Kosovo, e por um pedaço da Macedônia. O projeto da Grande Albânia não conta, porém, com a simpatia dos países integrantes da Otan, que lançaram-se num ofensiva diplomática para fazer com que o governo macedônico amplie a participação dos albaneses macedônicos no governo para evitar dessa forma mais uma longa e sangrenta guerra civil na região balcânica. Enquanto isso, períodos de trégua entre os guerrilheiros albaneses e as tropas macedônicas são sucedidos por atentados e contra-ataques de parte a parte.

A responsabilidade é coletiva


Os sérvios, particularmente o seu líder, o ex-presidente Milosevic, foram considerados pela opinião da mídia ocidental como os culpados maiores pela tragédia que se abateu sobre a ex-república socialista da Iugoslávia. Comparam-no, em seu nacionalismo extremado a Hitler, chamaram-no "o príncipe negro dos Bálcãs". Porém a responsabilidade deve ser estendida a todas as lideranças da região. O assessores do ex-presidente Franjo Tudjman da Croácia, falecido em 2000, reconheceram, depois dos infaustos acontecimentos que eles se precipitaram no seu afã de conquistar a autonomia plena em 1991, pois não levaram em conta os sentimentos dos sérvios que viviam na Croácia e que, do dia para noite, perderam a cidadania. Não imaginaram que eles fossem ter uma reação negativa quando viram o escudo quadriculado (de triste memória para eles, visto que era o símbolo do Estado Croata fascista que massacrara os seus antepassados em 1941) dominar a nova bandeira da República Croata recém-proclamada. Também merece a crítica Alija Izetbegovic, o líder muçulmano da Bósnia, um antigo militante nacionalista pan-islâmico que, contra todas as advertências que lhe fizeram os representantes dos bósnios croatas e dos bósnios sérvios, assim que foi eleito em 1990, resolveu proclamar uma República da Bósnia de maioria muçulmana, jogando desta forma, irresponsavelmente, a pequena região numa guerra étnica e religiosa com dramáticas conseqüências para a cidade de Sarajevo e para todo o povo muçulmano, que vivia em áreas onde eram minorias, expondo-o a perseguições e atrocidades, tanto de sérvios como dos croatas.

Fragmentação dos Bálcãs, a Morte de uma Nação


Com o acordo de Dayton, em novembro-dezembro de 1995, seguida pela intervenção da Otan, a Bósnia foi esquartejada, divida num fragilíssima federação muçulmano-croata da Bósnia-Herzegovina (capital Sarajevo) e na República Srpska (capital Pale) dos sérvios-bósnios, onde todo mundo passou a se odiar ainda mais. Portanto, a culpa é coletiva. Todos os lideres dos Bálcãs, fossem sérvios, croatas, muçulmanos ou albaneses, sabiam que apelar para os sentimentos separatistas conduziria fatalmente à política da limpeza étnica tantas vezes praticada entre eles no passado. Tinham consciência que, dada a multiplicidade de etnias que a maioria dos Estados iugoslavos era composta, as declarações de independência desencadeariam as velhas paixões e acirrariam os antigos rancores. Mesmo assim, eles foram em frente e destruíram a República Federada da Iugoslávia, transformando a região inteira num caldeirão alimentado pelo ódio étnico, devido ao deslocamento das populações e pela imigração em massa de milhões de ex-iugoslavos para o exterior (o que terminou por acirrar os movimentos xenófobos na Áustria e na Alemanha recém-unificada). O resultado foi desastroso. Onde até 1990 havia, mal ou bem, um país constituído e em relativa ordem, pronto para poder integrar-se no restante da Europa, se tivesse um pouco mais de paciência, hoje existem seis frágeis repúblicas, a maioria delas empobrecida pela perdas materiais e pela fuga da população, quando não entregues ao crime organizado, sem contar com um permanente clima de frustração, misturado ao ódio étnico sempre pronto para dar seu sinal de retorno.

Na sua opinião qual é o verdadeiro motivo da Guerra da Iugoslávia?